Uma exortação ao coração

Chácara Jovem
6 min readJul 8, 2021

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Por Henrique Kojin

Paulo e os Tessalonicenses

A segunda carta do apóstolo Paulo à igreja de Tessalônica tem, em quase sua totalidade, um tom duro e seco. Nela, Paulo busca encorajar a perseverança dos cristãos que estão sofrendo perseguições; refutar uma falsa ideia de que o Dia do Senhor havia chegado e que a segunda vinda de Cristo era eminente; e exortar aos cristãos preguiçosos para que procurassem trabalho para viver dignamente.

Os cristãos de Tessalônica — os tessalonicenses — sofriam fortes perseguições (2Ts 1.4) e, diante de tanto sofrimento e atribulações, surgiu um falso entendimento dos escritos de Paulo (ou um mal entendido ou um impostor) de que a volta de Jesus estava próxima. Assim, o apóstolo corre escrevê-los para ensiná-los a verdadeira doutrina da segunda vinda de Cristo, que será em um único evento, claro de tal forma que todos se maravilharão e testemunharão a grandeza e poder de Jesus (cf. Is 66.15–16, Dn 7.9–10, Mt 24.4–14).

Apesar do tom severo e do escopo em temas difíceis e que exigem maturidade para ler, entender e praticar, Paulo não perde seu tom pastoral em anunciar que ora pelo bem dos destinatários e deseja que os discípulos tessalonicenses possam crescer e amadurecer na fé em Cristo Jesus. Em meio a várias repreensões e ensinos, encontramos em 2 Tessalonicenses alguns tesouros sobre o entendimento paulino acerca do coração humano, como veremos abaixo.

Consolando o coração

Que o próprio Jesus Cristo, nosso Senhor, e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu eterna consolação e boa esperança, pela graça, console o coração de vocês e os fortaleçam em toda boa obra e boa palavra. (2Ts 2.16–17 NAA)

Os tessalonicenses enfrentavam um momento difícil, havia a perseguição por serem cristãos — uma heresia para os judeus e um desaforo para os gregos — e assim eram muito atribulados.

Muitas vezes, em nossas vidas, passamos por momentos em que as grandes dificuldades nos envolvem e aparentemente tomam conta de nós. A perda de um ente querido, a dor de um relacionamento que chegou ao fim, a desesperança de não ser aprovado no vestibular, a frustrante busca por um emprego. Enfim, são várias as situações em que nos encontramos com o sentimento de que nada está dando certo, de que deveríamos largar tudo e desistir.

Apesar de estarmos em situações diferentes dos tessalonicenses, os sentimentos que envolvem os corações são os mesmos: desânimo e desesperança. Assim, a Palavra de Deus nos mostra que Deus está atento ao nosso desânimo, ao sentimento que envolve nosso coração trazendo desesperança e vontade de desistir.

Nesta passagem, o verbo consolar é παρακαλέω (parakaleo) que pode ser traduzido como “exortar” ou “confortar”. Desta forma, Paulo evoca a lembrança de que Deus, pela graça, nos ama, nos concede eterno consolo no futuro prometido ao seu lado e, assim, nos traz esperança ao coração, de forma que a essência do nosso ser possa ser renovada e fortalecida em meio às dificuldades.

Uma vez que nosso coração seja fortalecida pelo amor de Deus para conosco, poderemos renovar nossas esperanças e nosso ânimo. Não porque a situação tenha mudado, mas porque temos o consolo daquele que é o Criador de todas as coisas e que cuida do nosso futuro. Por mais frustrante ou difícil que possa ser o momento em que vivemos, devemos guardar nosso coração “em toda boa obra e boa palavra”. Isto é, devemos continuar fazendo o bem, tanto em atos como em palavras, pois a maneira em que vivemos não é uma resposta ao que estamos passando, mas uma resposta à eternidade que nos é garantida em Cristo e que deve moldar nosso coração — e, assim, todo nosso ser.

Mas como eu posso ter o coração consolado em Cristo Jesus? Existe algo que eu deva fazer para isso? A resposta vem a seguir.

Conduzindo o coração

Temos confiança no Senhor quanto a vocês, de que não só estão praticando as coisas que lhes ordenamos, como também continuarão a fazê-las. Que o Senhor conduza o coração de vocês ao amor de Deus e à perseverança de Cristo. (2Ts 3.4-5 NAA)

Paulo continua aqui mostrando que espera que os tessalonicenses estejam praticando aquilo que lhes fora ensinado, e que permanecerão procedendo assim. Provavelmente o apóstolo está se referindo ao que escrevera na primeira carta aos tessalonicenses acerca do amor fraternal (cf. 1Ts 4.9–12). Mas o foco desta passagem é o fato do que fazemos na prática estar vinculado ao estado do nosso coração.

Como já discutimos no Resenha (caso você não tenha ouvido, clique aqui), o judeu via o coração como o centro da essência humana. É nele que o homem experimenta o mundo ao seu redor e toma decisões. É onde nasce os sentimentos e as vontades que nos impelem em certas direções e caminhos.

Por mais que nós desejemos estar no controle de tudo, muitas vezes somos enganados por nós mesmos e acabamos (voluntaria ou involuntariamente) desejando e praticando o mal. Nós somos seres pecaminosos e nossos corações estão corrompidos. Assim, por mais que neguemos, não somos os melhores condutores de nossos corações e devemos o entregar a quem pode conduzir melhor do que nós.

Ciente disso, Paulo ora para que os cristãos (seja os tessalonicenses, seja nós) entreguem a condução do coração para Deus.

Aqui, o verbo conduza aqui é κατευθύνω (kateuthuno) que pode ser traduzido como “dirigir”, “liderar” e também “fazer um caminho reto”. Ou seja, devemos entregar nosso coração para a liderança divina, que nos fará ter os desejos, sentimentos, ideias e vontades corretas, certeiras.

Quando entregamos o centro de nosso ser, o lugar onde nasce nossos desejos e vontades, à condução de Deus, nos tornamos livres de nós mesmos e somos levados “ao amor de Deus e à perseverança de Cristo”.

Ser levado ao amor de Deus não significa que seremos levados a amarmos a Deus mais. Mas que sentiremos, experimentaremos e viveremos o seu amor por nós. Experimentaremos a vontade de Deus, que Paulo afirma (em Rm 12.2) ser boa, agradável e perfeita.

Por sua vez, ser levado à perseverança de Cristo é saber que Jesus é o servo sofredor (cf. Is 53) que sentiu todas as dores da humanidade, sofrendo por nós e que ainda sofre conosco quando passamos por uma tribulação. Mas também é saber que Jesus é a ressurreição e a vida (Jo 11.25) e que nos chama a perseverar em meio à dor e ao sofrimento, pois estes são passageiros e logo estaremos na glória com ele (cf. Jo 14.1–4).

Por o coração ser o centro de nós, ser a nossa essência, quando temos nosso coração conduzido por Deus, somos levados à verdadeira experiência de viver com ele. Tal experiência é a maior e melhor coisa que poderíamos desejar ou imaginar (cf. 2 Co 2.9).

Se nosso coração estiver cheio de Deus e sendo dirigido por Deus, as situações em que vivemos — seja perseguição física igual aos tessalonicenses, seja perseguição moral, dor, frustração, tristeza, desesperança ou desilusão — não nos abalarão. Seguiremos fortalecidos para toda boa obra e boa palavra, pois estaremos experimentando o amor de Deus e a perseverança de Cristo.

Ore, como Paulo, para que seu coração seja consolado e conduzido por Deus. Peça para que Deus o ajude em suas dúvidas (cf. Marcos 9.24). Peça para que Jesus lhe ensine a amá-lo. Peça para que Deus penetre em seu coração e transforme a sua essência.

Busquem ao Senhor enquanto ele pode ser encontrado.
invoquem-no enquanto ele está perto. (Is 55.6)

Só poderemos viver de fato em comunhão com Deus quando lhe abrirmos nosso coração. A boa notícia é que ele está à porta e bate (cf. Ap 3.20). Basta abrir!

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Chácara Jovem, o grupo de jovens da Chácara Primavera. Somos transformados pelo Evangelho, engajados na Missão.